Wednesday, June 21, 2006

Capítulo 1 (Parte 6)

Dirigi-me com a minha “colega” para o quarto, entrámos e ela perguntou-me com vivacidade, - Ah! És jornalista!? Mas és mesmo ou estás cá infiltrada?- respondi-lhe, - eu não sou jornalista, trabalho em televisão ... sou produtora de televisão - ela retorquiu, - prontos, é o que estou a dizer, trabalhas na televisão és jornalista!
Ainda hoje, na cabeça das minhas companheiras de infortúnio não deixei de ser jornalista ... para a maioria das guardas também não deixei de ser jornalista. Com o tempo, a necessidade de transpor a barreira do silêncio foi tal, que escrevi vários artigos, alguns foram publicados e encontram-se neste livro.
Que me perdoem os jornalistas, eu só me aproximei desta profissão dentro da prisão de Tires pois como diz o velho ditado “a ocasião faz o ladrão”.
Regressámos ao quarto e apareceu a guarda prisional que tinha feito o conto de manhã cedo. Perguntou se precisávamos de alguma coisa e de seguida fechou a porta do quarto comigo lá dentro e com outras duas companheiras.
Perguntei, - Porque nos fecham cá dentro?- responderam-me, - vamos agora dizer-te as regras: Fecham as celas até às 10 horas mas se quiseres ficar do lado de fora ficas e podes ir para o convívio ou para o recreio se o abrirem. Depois abrem as portas, fazemos a limpeza da cela até à hora do conto e depois chamam para as marmitas . Comemos lavamos a loiça e vêm fechar as portas outra vez até às 2 e meia. Quem não trabalha tem que ficar mesmo cá dentro. Depois abrem as portas e fecham logo a seguir até às 4 horas ... quem quiser fica do lado de fora.
Depois a um quarto para as seis fazem outra vez o conto. Começam a chamar para as marmitas e a um quarto para as oito fecham-nos até de manhã.
Tentei consumir tudo isto mas de facto era impossível. A cabeça cansada, atordoada, sem roupa, sem escova de dentes, sem cigarros e todas as regras que me estavam a debitar pareciam-me estranhas, a terminologia que utilizavam era-me totalmente desconhecida.
Não fiz mais perguntas e deixei correr o dia para ver o que tudo aquilo queria dizer na prática.
Pensei com os meus botões, -
Marmitas, que raio é isto?
Dentro da cela as raparigas deitaram-se, ligaram a televisão e aconselharam-me a deitar e descansar um pouco. Foi o que tentei fazer mas era impossível. Os pensamentos atropelavam-se.... eu não queria pensar mas um turbilhão de pensamentos desordenados saltavam em catadupa dentro da minha cabeça, - Meu Deus, porque me está a acontecer isto ? Ai! Meu querido filho, minha querida mãe, meu querido pai ... mas como é possível isto estar a acontecer, meu Deus? Ai Deus tira-me deste pesadelo ... Ai minha Nossa Senhora protege o meu filho e os meus pais ... livra-os de todo mal ... diz-me quem são os meus inimigos .... eu não tenho inimigos, nunca tive, sempre fui uma privilegiada e agora .....
Assim passei a manhã, a tarde e a noite, deitada na cama a pensar enquanto as lágrimas corriam.
Na manhã seguinte chamaram-me histericamente ao microfone. Nem percebi o meu nome. Foi uma das companheiras que me avisou, - estão a chamar por ti, para ires ao escritório. Percorri o pavilhão com uma das jovens e parámos na porta do hall de entrada. Uma guarda prisional abriu a porta envidraçada, aos quadradinhos, uma nesga apenas, e informou, - Tens que estar pronta dento de 15 minutos!
Pensei – mas donde é que as guardas me conhecem … quem são elas para me tratarem por tu!? –
Claro que a minha educação não me permite tratar por tu pessoas que não conheço ou pessoas mais velhas a quem se deve guardar o devido respeito. Depois compreendi que tudo o que me foi ensinado ao longo da minha vida, ali naquele depósito de mulheres, não existe. Existe sim um processo de reeducação nivelado por baixo ao qual, o esforço e as energias para o confrontar, tem um preço demasiado alto pois estou a falar do mantimento da minha sanidade mental.
(continua ...)




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