Thursday, July 20, 2006

CAPÍTULO II (Parte 1)


SÃO SÓ TRÊS MESES …
Quando cheguei de novo a Tires, ao Pavilhão 1, de Preventivas, aprendi de imediato algo surpreendente:
a prisão preventiva, segundo a legislação, goza de uma presunção de inocência que na prática quer dizer “culpado até prova em contrário.”
Era tarde, perto das onze horas da noite.
As Guardas que me deram entrada fizeram-no de uma forma mecânica, como se fosse normal este processo. No olhar delas sentia o apontar do dedo, o pensamento “ mais uma que voltou …alguma fez para estar aqui”.
De novo levaram-me para o quarto, percorrendo aquela pavilhão cor de rosa, vazio, adormecido por um silêncio de morte.
Mal entrei, as minhas companheiras, quase todas ao mesmo tempo, disseram,
– Pensámos que tinhas ido para casa … já é tarde ….- dizia outra, - Então, não chores … senta-te aqui … fala connosco … e outra continuava, - desabafa, é melhor para ti … não estejas assim, não há-de ser nada …
A senhora de etnia cigana, com voz de quem sabe retorquiu: - o melhor é chamar a Guarda para lhe dar um comprimido para dormir … - respondeu a mais nova: - tenho aqui uns refundidos.
De novo, a senhora de etnia cigana, mulher entroncada, longa trança, postura determinada, com voz decidida disse: - Ouve lá, como é que te chamas? - respondi num tom quase inaudível, - Nita – ela continuou – Olha lá ó Nita, nós que andamos nesta vida, sim porque tu não és nenhuma tótó, até estudáste..., sabemos bem que um dia isto pode acontecer, não é? Claro que custa … mas é a vida … se somos mulheres pró negócio também temos que nos aguentar á bronca, não é? – antes de ela continuar, respondi - mas eu não fiz nada, eu não cometi crime nenhum … – continuou, desta feita com um tom sarcástico , - pois, pois … és inocente … tás aqui por tares a ver dar milho aos pombos não? São todas inocentes quando entram, até depois de condenadas continuam inocentes … ás vezes até parece que aqui dentro sou a única culpada … ao menos eu assumo aquilo que fiz !- voltei a interrompê-la conseguindo ainda colocar algum tom de determinação na minha voz que já demonstrava o meu cansaço e desilusão, - Eu já lhe disse que não cometi um crime !
Perante o tom utilizado ela calou-se e passado um pouco, com alguma condescendência disse: - Ouve lá, os judites não te deram comida pois não? Comeste alguma coisa? Tu desde ontem que não comes … só bebeste um café e fumáste … assim não vais longe mulher! Vai tomar um duche que quando saíres tens aqui leite quente com chocolate e pão com manteiga … anda lá, … aqui nesta cela a regra número 1 é que não queremos aqui porcalhonas um banho por dia é o mínimo!
Nem lhe respondi pois de repente pensei na minha casa confortável, no meu quarto, na minha casa de banho de banheira redonda, nos meus hábitos de higiene tão incutidos desde criança que nem nunca me passou pela cabeça que neste século houvesse alguém que no mínimo não tomasse um banho por dia…. mas , ao mesmo tempo, vizualizáva as barracas dos ciganos, sem água sem nada … perguntáva a mim própria - Quem era ela para me falar de higiene pessoal?-.
Mas lá fui para o cubículo do duche. Soube-me bem a água quente sobre os ombros que estavam rígidos como pedra. As minhas lágrimas confundiam-se com a jorrada de água do chuveiro.
A rapariga que me tinha emprestado o pijama na noite anterior deu-mo lá para dentro com a toalha.
Quando saí, numa mesinha colocada junto à janela de grades, por onde se vê o sol aos quadradinhos (ou a lua dependendo da hora do dia...), estavam todas sentadas com pão sobre a mesa, queijo, fiambre, manteiga e termos que continham leite e café.
A rapariga do pijama, disse, - anda, senta-te aqui e come. Queres queijo ou fiambre na sandes? – respondi ,– Não quero nada, obrigada- .
Ela insistiu – Eu também entrei na semana passada e sei como te sentes mas tens que comer. Tens filhos? – respondi a chorar , - …. sim …um filho. - ela continuou – então come, por ele, ou achas que além disto que te aconteceu o miúdo ainda vai ficar sem mãe? Não há nada mais importante que os nossos filhos, ouvistes? De resto mais ninguém se importa se comes ou deixas de comer ou se morres. Até podes apodrecer aqui que nem os chuis,nem juízes, nem as Guardas querem saber disso para nada. Senta-te lá e come qualquer coisa … depois vamos mas é dormir que já se faz tarde -.
Não quis desiludi-la, pois as lágrimas escorriam-lhe pela cara abaixo e então sentei-me. Bebi uma caneca de leite quente e um pouco de pão com manteiga a muito custo pois realmente não conseguia meter nada no estômago. Deram-me um comprimido para dormir e de seguida subi para o beliche e adormeci.
(Continua ...)



1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Olá Nita!
Parece que o teu blog ainda não é muito visitado... Mas eu descobri-o pelo nome que lhe deste (ao outro do livro), e que era aquilo que procurava hoje, na minha mente algo atormentada.
Nada como ler o início desta tua história para ficar desconcertado... O detalhe com que contas as coisas é angustiante.
Fico sem palavras para dizer aquilo que sinto neste momento, sinto-me ridículo por aqui escrever este comentário, tudo o que escreva é pouco face ao que passaste, ao que estás ainda a passar.
Não te conheço. Não me conheces. Trato-te por tu, porque na aqui no mundo virtual dos blogs estamos todos perto, apesar das nossas diferentes condições, etnias, situações geográficas, crenças... Se te escrevo aqui é com um sentimento de grande proximidade. de quem leu este começo da tua história e te pede para continuar.
O muito que aprendemos nos blogs deve-se aos testemunhos que as pessoas deixam aqui. Concordemos ou não com eles. Alguns mais vazios que outros. Alguns carregados como o teu.
Vou voltar aqui. Sempre. E espero acompanhar o desenrolar da tua história passada. No continuar da tua história presente, que espero sinceramente que esteja a ser mais positiva.
Porque nunca sabemos o que vai acontecer amanhã.
Muita força para ti, e tudo de bom.
Um abraço!

1:45 pm  

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