Wednesday, May 31, 2006

Capítulo 1 (parte 1)

Estamos agora em Setembro do ano 2004.
Hoje estou em RAVE (Regime Aberto Voltado ao Exterior), concedido pela Direcção Geral dos Serviços Prisionais a quem o mereça e tenha hipótese de empregabilidade.
Saio da prisão às 08h00 da manhã para trabalhar regressando até às 20h00 para jantar e dormir. De mês e meio em mês e meio tenho licença de ir a casa, ora 48 horas ora 4 dias.
Até quando?
Boa pergunta …
Não sei!
Ainda hoje tenho alguns flash back de quando me despejaram cá dentro.
Eram cerca das oito horas da noite quando o meu lar foi invadido por vândalos aos gritos à procura de algo! Passados longos minutos descobri que era droga.
Eu estava estupefacta, a minha querida mãe aflita a tentar saber o que se passava, a minha empregada cheia de medo fugiu para o meio da quinta, o meu filho, 16 anos, assustadissimo ... um amigo de um amigo meu, que se encontrava em minha casa, foi algemado e conduzido ao exterior.
- Diga lá onde está a droga! – gritavam eles, - Olhe que lhe rebentamos com a casa toda!- continuavam eles a gritar à medida que, com o maior vandalismo remexiam em tudo o que apanhavam pela frente.
Droga não havia mas, todos inchados quais galos de capoeira, encontraram uma caixa que diziam conter moeda falsa.
Eu continuava incrédula!
A minha família já sem palavras … só lágrimas e medo.
De repente levaram-me para um carro para seguir caminho.
Ainda diziam – Os seus amiguinhos estão todos presos...
- Que idade tens? – perguntaram ao meu filho. Ele, com a voz embargada disse – 16.
Ai é? Então já tens idade para vir também !
– O meu filho não!!!- disse eu em estado de choque.
- O que é que se passa aqui? O que está a acontecer? Mãe, liga para o
M ....., liga para o J..... ou para o Dr. R.....,
Por favor que nos ajudem....
A minha querida mãe ainda me pediu os números de telefone, disse-lhe onde estava a agenda mas o maior vândalo de todos, imponentemente disse - A agenda de telefones vai comigo.
Lá fomos, o meu filho e eu, para o covil dos vândalos.

(continua...)

Tuesday, May 30, 2006

Introdução e Prefácio

11125 / 643 TIRES

(Estes testemunhos começaram a ser escritos à data de início de reclusão Setembro de 2000)
INTRODUÇÃO
Sempre senti necessidade de escrever ...
Quando era pequena, uma prenda que me era agradável receber era um diário, não para guardar os meus segredos mas porque ali escrevia e registava o meu sentir... para mais tarde recordar.
A 27 de Setembro do ano 2000, meia dúzia de vândalos invadiram o lar da minha família e às cinco e meia da manhã despejaram-me no Estabelecimento Prisional de Tires, onde ainda hoje me encontro, por decisão de alguns dos irresponsáveis do nosso País.
Não conheci pessoas piores cá dentro do que lá fora ...
A única diferença é que lá fora, os “maus” estão diluídos entre milhões e, cá dentro, devido à densidade populacional os “maus” saltam mais à vista ...
Esta é uma conclusão a que chego ao fim de quatro anos de reclusão.
Diga-se a verdade também, que o ser humano tem uma enorme tendência para relevar tudo o que há de menos bom nos outros ...
Com dificuldade tomamos a opção de procurar as qualidades de quem nos rodeia.
Dedico este livro ao meu querido filho, aos meus pais, aos meus tios aos meus amigos.
Dedico este OBRIGADA, a toda a gente de bem.
Dedico este GRITO a toda a população prisional como chamada de atenção aos aspirantes a Governantes e à sociedade civil para o facto de que: errar é humano, perdoar não é humano mas convém tentarmos, estas coisas não acontecem só ao vizinho do lado, e que não é admissível brincar com a vida das pessoas.
As prisões são um mal necessário mas as pessoas não podem ser despejadas cá para dentro qual carne para canhão e depois cuspidas lá para fora como um escarro.
Nita Santiago
(Pseudónimo)
E.P. Tires – R.A.V.E.
Nº 11125/643
PREFÁCIO
Tantas vezes rezei esta oração…
Descobri que sempre se identificou comigo, com a minha postura social.
Esta foi a minha bíblia, todos os dias:
Lia-a com fé e convicção, logo de manhã, e saía do quarto pronta para enfrentar mais um dia de prisão.
ORAÇÃO DE S. FRANCISCO

Senhor, fazei de mim um instrumento da Vossa paz.

Onde, houver ódio que eu leve o amor,
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão,
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvida que eu leve a fé.
Onde houver erro que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre:
Fazei que eu procure mais,
Consolar, que ser consolado,
Compreender, que ser compreendido,
Amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
É perdoando que se é perdoado,
E é morrendo que se vive para a vida eterna.
Ámen.