Capítulo 1 (Parte 6)
Pensei com os meus botões, - Marmitas, que raio é isto?
Esta é uma história real. Tantas vezes disse que a minha vida dava um livro! ... ou uma radionovela .. ou uma telenovela ... ou mesmo um filme! Deu num Blog ... sentido e escrito na pele!
Céus!
Que horror!
Oh meu Deus o que é isto!?
Onde estou???
A rapariga voltou para trás comigo, falava, falava, tocava-me no braço ... as que estavam dentro do quarto olhavam-me como se eu fosse uma ave rara.
Por fim comentei - eu nunca vi uma coisa assim ... tantas mulheres, crianças ... - responderam - já te explicamos, agora anda e despacha-te, senão não telefonas mesmo.
E lá fui eu, encolhida atrás delas e enquanto andava via as mulheres todas desalinhadas, ponta a cima ponta abaixo, fumo no ar, muito fumo, um barulho ensurdecedor, as crianças no piso de baixo com pedaços de pão na mão e tapetes a serem sacudidos do piso de cima, lixo no chão ... conforme eu ia passando ia ouvindo pedaços de conversas em linguagem vernácula e alguns comentários, - olha a jornalista que entrou ontem ..., mais à frente, - ... é a jornalista sim senhor, a guarda disse-me que era ela....
Chegámos a um hall, pelo qual tinha passado na madrugada anterior, apinhado de mulheres, a fumar, a beber café, a maioria de pijama vestido com uma bata por cima, a falarem aos gritos para se fazerem ouvir no meio da gritaria geral, no meio da histeria das guardas a fazerem chamadas ao microfone, rádios a tocar estridentemente ...
Enfim, ninguém se entendia, pensava eu, mas no fundo todas se entendem no meio desta engrenagem que começa a fazer parte do dia a dia de cada pessoa que ali vive, vegeta, sobrevive ou morre! (Gaby, companheira, onde estiveres sabes que estás sempre no meu coração)
A minha “colega” perguntou, aos gritos, - Quem é a última para o telefone ? És tu? E quem vai agora? És tu? - e dirigindo-se a esta última disse - ó colega, deixa esta rapariga telefonar num instante ... entrou esta noite e ainda não falou com a família!
Isto foi dito mais num tom de ordem que de pedido e talvez por tal foi concedido. Cheguei-me com a minha “colega” ao telefone, ela enfiou o cartão da PT, liguei o número do meu pai e as lágrimas caíam.
Só pensava - tenho que me controlar, tenho que dominar as emoções pois não as posso transmitir à minha família - .
O meu pai atendeu, com uma voz triste e cansada - Estou, sim ? – e eu disse – Papá, sou eu. Estou na prisão de Tires. - perguntou-me - Em Tires !!!??? Como foi isso? – respondi – não sei bem ainda.... pai, desculpa mas não sei. O meu filho?Onde está o meu filho?, - respondeu, - Não te preocupes está aqui. Disse eu - Pai, leva-o à escola pois o meu filho nunca andou de autocarro ... cuida dele e da mamã -.
A minha mãe entretanto veio ao telefone, a chorar – eu também com as lágrimas a cair mas tinha que me controlar, - Oh ... filha que desgraça .. mas o que aconteceu ?
Eu já não tinha mais tempo para estar ao telefone. Algumas mulheres já estavam exaltadas a falar alto. - Ó colega, vê lá se te despachas ... também quero telefonar. Respondia a outra, - tás a falar p’ra quê, ó chavala, nem sequer é a tua vez agora! Com este início de discussão, entre elas, esqueceram-se de mim por um pouco e eu consegui falar com a minha mãe, dei-lhe o horário das visitas (estava afixado junto ao telefone) e falei com o meu filho, - Filho, a mãe ama-te muito... não te preocupes meu anjo... há aqui um engano e tudo se vai esclarecer rapidamente, está bem? Amo-te – e ele, coitadinho só me dizia, - Sim mamã, eu também te adoro.
E tive que desligar pois não aguentava mais a pressão, a cabeça a latejar, as lágrimas e a gritaria das mulheres já não me deixavam pensar, falar, nem ouvir mais nada.
Eram cerca das dez horas da noite. Eu só pensava – O meu querido filho, o meu querido filho, isto é um pesadelo... o meu querido filho não. Mas afinal o que é que se passa, meu Deus... Por favor protege-nos de todo o mal. De repente parece que Deus me ouviu, e um dos vândalos decidiu levar o meu filho a casa.
Ali fiquei, não sei quantas horas naquele covil. Não me recordo bem o que se passou mas lembro-me de ter chegado um tipo alto, moreno e pelas deferências dos outros, percebi que era o chefe da quadrilha.
Com um ar vulgar, marginal até, sentou-se em cima de uma secretária que estava à minha frente e rosnou – Acha que com essa cara de santinha vai enganar o juiz?
Não respondi, olhei para o relógio, eram três e meia da madrugada.
A minha querida mãe, com todas as dificuldades impostas pela situação ainda conseguiu contactar um amigo meu que se prontificou de imediato para nos ajudar. Ainda lá esteve comigo naquele malfadado covil durante algum tempo.
Foi-se embora pois, naquele dia, nada mais podia ser feito e mal sabíamos nós que nos outros longos dias que seguiram nada pôde ser feito.
(Amigo M…, agora que decidiu ser juiz desejo-lhe a maior sorte do mundo … não deixe que lhe roubem os seus princípios e o seu grande EU SOU)
Sentia-me anestesiada, sem fome, não sentia frio nem calor, escutava-os ao longe sem perceber nada do que diziam. Acordei deste estado catatónico quando um dos vândalos me disse, – Vamos embora!
Levantei-me e vi um amigo meu ( aliás vos digo que com amigos destes sinceramente não preciso de inimigos ..) e uma série de homens todos algemados a entrarem nos carros.
Entrei para um carro com um desses homens.
Parámos na prisão de Setúbal onde largaram os homens.
Depois, entrámos na auto-estrada. Nesse momento, no meio do meu desespero balbuciei, – para minha casa não é necessário entrar na auto estrada – responderam-me, – pois não, você vai para Tires.
E assim foi a minha chegada ao maior depósito de mulheres do País.
Dia 27 Setembro 2000, por volta das cinco horas da manhã.
O carro parou num portão enorme, ouvi-os falar com alguém, retomou a marcha, parou mais à frente, voltaram a falar com alguém, retomaram a marcha e pararam à porta de um enorme pavilhão.
Saíram do carro, entraram, e passado um momento, que me pareceu uma eternidade, abriram-me a porta disseram, - chegámos, pode sair. Dentro de 48 horas vimos buscá-la para ir ao Juiz.
Uma mulher, fardada de cinzento veio buscar-me ao carro, introduziu-me no hall e depois num pequeno escritório contíguo.
Olhei de repente para trás na esperança de ver os ditos vândalos lá fora.
Por um momento pensei neles como salvadores pois preferia ir com eles, fosse para onde fosse, do que ficar ali.
Mas... já lá não estava ninguém.
(continua….)